quinta-feira, novembro 16, 2006

Respostas das Questões da Boa Vontade

Eis abaixo as repostas formuladas por candidatos à carreira diplomática nas provas do Instituto Rio Branco.
Abraços a todos.
Respostas das questões de Direito Internacional Privado
1. Em 1995, Tito, à época cidadão italiano, cometeu crime de roubo na Alemanha. Em 1996, veio para o Brasil e aqui chegou a receber a nacionalidade brasileira, em 1998. Em março último, o Brasil recebeu pedido de extradição de Tito, formulado pela Alemanha. Examine, do ponto de vista das limitações à extradição relacionadas com a nacionalidade do extraditado, se existe obstáculo intransponível para a concessão da extradição requerida.
José Gilberto Scandiucci Filho (20/20)
Para melhor responder à questão, faz-se mister analisar em separado dois aspectos formais ali presentes. Em primeiro lugar, é preciso notar que o Brasil não extradita brasileiro, seja nato ou naturalizado. No caso do naturalizado, entretanto, há duas exceções: crime cometido antes da naturalização; e tráfico de drogas (este último independentemente da cronologia). Ora, Tito cometera o crime em 1995 e recebeu nacionalidade brasileira três anos depois. Desse ponto de vista, não há obstáculo para sua extradição. Em segundo lugar, o deferimento de um pedido de extradição requer que o órgão requerente da extradição tenha competência para julgar o extraditado. É fato que Tito, embora cidadão italiano à época do crime, cometera o mesmo em território alemão. É necessário indagar, a partir das normas de direito penal interno da Alemanha, se ali tem vigência o princípio da territorialidade, isto é, se o judiciário alemão tem competência para julgar crimes praticados por estrangeiros em seu território - como o faz o Brasil. Caso afirmativo, mais uma vez observar-se-ia a possibilidade formal de concessão da extradição de Tito.
Do ponto de vista das limitações à extradição relacionada com a nacionalidade do extraditando, portanto, não existe, em princípio, obstáculo intransponível para a sua concessão no caso em questão.
2. Três indivíduos - X, Y e Z - pretendem ingressar na carreira diplomática brasileira. X nasceu em Brasília, quando seus pais, nacionais da Arcolândia, representavam diplomaticamente seu Estado junto ao governo brasileiro. X sempre morou no Brasil. Y nasceu em Arcolândia, filho de pais brasileiros, que ingressaram clandestinamente naquele país e nunca registraram o filho em repartição consular do Brasil. Aos vinte anos de idade, Y veio morar no Brasil, quando optou pela nacionalidade brasileira. Z nasceu em um navio, em alto mar, de bandeira arcolandiana, quando seus pais, ambos nacionais da Arcolândia, imigravam para o Brasil. Recentemente, Z requereu, com êxito, a nacionalidade brasileira. Analise, à vista da nacionalidade dos três indivíduos, as possibilidades de cada um ter aceito seu pedido de inscrição no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, do Instituto Rio Branco.
Giuliana Sampaio Ciccu (20/20)
Em primeiro lugar, cumpre considerar que cargos referentes à carreira diplomática, segundo a Constituição Federal de 1988, só podem ser ocupados por brasileiros natos. Para definir quem é brasileiro nato, a Constituição utiliza como critério o direito de solo, combinado com princípios que consagram o direito de sangue.
Assim, consideram-se brasileiros natos, entre outros casos, aqueles nascidos em território nacional, de pai ou mãe estrangeiros, desde que não estejam a serviço de seu Estado. Desse modo, X, ainda que nascido no Brasil, não pode ser considerado brasileiro, pois seus pais, quando ele nasceu, representavam a Arcolândia. Apesar de ter sempre morado no Brasil, X é nacional de Arcolândia.
A Constituição Federal também considera brasileiros natos os indivíduos nascidos no exterior, filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, ainda que não estejam a serviço do Brasil, desde que venham a residir aqui e optem, a qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira. Tal é o caso de Y, que deve, portanto, ser considerado brasileiro nato.Z, por fim, não nasceu no Brasil e não é filho nem de pai brasileiro, nem de mãe brasileira. Seu caso não se enquadra em nenhum daqueles previstos pela Constituição para que possa ser considerado brasileiro nato. A nacionalidade brasileira que requereu e obteve foi, dessa forma, a título de naturalização.
Conclui-se, dessa maneira, que X é natural de Arcolândia, não podendo ter aceito seu pedido de inscrição no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata. Y, por sua vez, é considerado brasileiro nato, devendo ter, com isso, seu pedido aceito. Z, por fim, é brasileiro naturalizado, não podendo ocupar cargo na carreira diplomática, nos termos da atual Constituição Federal.
3. A Senhora W, nacional de Pasárgada, onde tem domicílio, decide ir a Futurolândia, conhecer determinado museu. Para tanto, solicita concessão de visto ao Consulado-Geral de Futurolândia — condição necessária para que nacional de Pasárgada entre no território do país irmão. Após os trâmites consulares de estilo, ela recebe visto de turista com validade de sessenta dias. Com alguma dificuldade econômica, adquire as passagens e providencia reserva em hotel. Ao chegar a Futurolândia, agentes da imigração desconfiam da Senhora W. Trata-se de uma afro-pasargadense de alguma idade, que nunca tinha estado em território futurolandense. Determinam, assim, interrogatório. A Senhora W tem péssimo domínio do idioma local. A entrevista é desastrosa. Ela, de resto, não traz consigo dinheiro suficiente — pela ótica das autoridades locais — para permanecer duas semanas em Futurolândia. O desfecho do incidente é a denegação de entrada. A Senhora W é detida e acorrentada a um banco, no próprio aeroporto, aguardando a partida do primeiro vôo para Pasárgada.
Transtornada com o ocorrido e com a perda do investimento feito (passagem, hotel etc.), ela procura orientação sobre eventuais medidas jurídicas a serem tomadas. Aconselhe-a sobre o que fazer.
Daniel Augusto Rodrigues Ponte (20/20)
Ao analisar o caso em questão, de início, é preciso compreender a natureza discricionária e precária da concessão de visto de entrada. A concessão é ato administrativo sujeito à análise de sua conveniência e oportunidade por parte do agente de Estado competente. O seu caráter precário, além disso, implica mera expectativa de direito que pode consumar-se ou não. O visto, dessa forma, pode ser cancelado a qualquer momento a juízo discricionário da autoridade competente.
Uma vez cancelado o visto, a presença do estrangeiro em território nacional se torna irregular e enseja deportação. A deportação é também ato administrativo que pode ser realizado pela autoridade competente, como por exemplo, os agentes de aduana ou a polícia de fronteira. É ato que possui auto-executoriedade, não necessitando de ordem judicial para sua concretização.
Feita esta análise, resta evidente que o fato da Senhora W ter obtido visto no Consulado-Geral de Futurolândia não gera direito adquirido em seu favor. O seu visto pode ser cancelado e ela deportada, a juízo das autoridades de imigração de Futurolândia. Tais atos administrativos são resguardados pela lei e não ensejam responsabilidade civil do Estado quanto aos prejuízos deles decorrentes, tais como a perda do investimento feito em passagem e hospedagem.
O fato de que a Senhora W foi acorrentada a um banco, no próprio aeroporto, no entanto, parece configurar abuso de poder por parte das autoridades de imigração. Isso, por sua vez, pode ensejar ação civil para reparação dos danos morais e de eventuais danos físicos contra o Estado de Futurolândia, e ação penal no caso de lesão corporal contra os agentes de imigração. Essas ações devem ser interpostas junto à Justiça de Futurolândia. No caso de lhe ser denegado o direito de petição ou no de, esgotadas a instâncias judiciais locais, não lograr êxito, a Senhora W pode ainda recorrer à "proteção diplomática" junto ao Governo de Pasárgada. Entretanto, essa constitui verdadeira opção final, após o fracasso dos meios acima aduzidos e apenas no tocante aos danos morais e físicos, oriundos do abuso de poder, configurado pelo acorrentamento.
Respostas das Questões de Direito Internacional Público
1. Considerando o disposto no art. 5º , § 2º , da Constituição Brasileira de 1988 ("Os direitos e garantias expressas nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte"), analise a possibilidade de se conceder estatura constitucional aos tratados internacionais sobre direitos humanos, ratificados e promulgados pelo país depois de 1988.
Gabriel Boff Moreira (18/20)
No sistema jurídico brasileiro, todo o tratado ratificado e promulgado passa a integrar o ordenamento jurídico nacional, na mesma condição de lei ordinária. Não é norma constitucional e não se equipara, para efeitos jurídicos, a ela. Decorre disso que, se, em um tratado qualquer, houver alguma cláusula que se repute ofensiva a algum dispositivo constitucional, essa cláusula é inconstitucional. Nesse sentido, o direito brasileiro não permite a concessão de estatura constitucional a tratados internacionais sobre direitos humanos, ratificados e promulgados pelo país depois de 1988.
A Constituição, quando afirma que os direitos e garantias constitucionais não excluem outras regras de direitos humanos advindas de tratados internacionais, não está dizendo que os tratados recepcionados pelo direito brasileiro terão status constitucional, mas tão somente que as normas constitucionais sobre direitos humanos podem conviver com outras normas infra-constitucionais, desde que em consonância com a Carta Magna.
2.
Comemora-se, em 1998, o cinqüentenário da aprovação, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, sob a forma de resolução, sem nenhum voto contrário. Dessa Declaração diz-se que adquiriu "grande autoridade moral e política e que o seu impacto na teoria prática do direito tanto internacional como nacional tem sido profundo" (John Humphrey). A Declaração tem sido invocada por inúmeros governos para justificar posições adotadas no âmbito internacional. Tem servido, também, de fundamento para decisões proferidas por tribunais nacionais. Tem sido, ainda, incorporada, total ou parcialmente, às constituições de diversos Estados. Além disso, não se registra manifestação oficial de Estado algum, recusando qualquer de seus enunciados. Analise, a partir do conhecimento das fontes do direito internacional, se a Declaração é juridicamente vinculante para os Estados ou se possui mera força de recomendação.
Regiane Mara Gonçalves de Melo (20/20)
O artigo 38 do estatuto da Corte Internacional de Justiça elenca como fontes reconhecidas de direito internacional: 1) as convenções firmadas entre pessoas jurídicas de direito das gentes, sob diversas terminologias - tratados, acordos, cartas, concordata... ; 2) os costumes internacionais; 3) os princípios gerais de direito e de direito internacional reconhecidos pelas nações civilizadas; 4) de modo auxiliar, as decisões jurídicas tomadas pela nações e a doutrina jurídica. Deve-se acrescentar, contudo, a esta lista, devido à importância assumida nas últimas décadas, os atos unilaterais e as decisões adotadas pelas organizações internacionais como fonte de direito. As resoluções, recomendações e declarações emitidas por essas pessoas jurídicas de direito internacional manifestam-se crescentemente como fonte de costume internacional ao comportarem os elementos formal (repetição de certo ato e de certa orientação no tratamento de assuntos particulares) e psicológico (crença na obrigatoriedade de seus preceitos) da caracterização de costume.
Isto posto, pode-se concluir que, no ato da Declaração dos Direitos Humanos, em 1948, tal instituto não implicou obrigatoriedade no acatamento de suas recomendações. Implicava, entretanto, apenas um comprometimento moral com seus princípios e normas, não vinculando as partes e, dessa maneira, a inobservância não representaria ilícito internacional (apesar de ter recebido apoio unânime).
A aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem representou, em verdade, a primeira tentativa concertada de positivação dos direitos fundamentais do Homem, gerando, em seguida, grande impacto na prática do direito, tanto internacional quanto nacional, concretizando-se gradualmente em costume internacional. A sua alegação pelos Estados no âmbito internacional e pelos tribunais nacionais confirma o seu caráter de fonte legítima de direito internacional e nacional. Ademais, vale lembrar, ao ser incorporada às Constituições de diversos países e ser objeto de duas convenções internacionais concluídas em Genebra (Convenção sobre os Direitos Políticos e Civis e sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), ganhou sobremaneira força vinculante.
Dessa maneira, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, ao concretizar-se na prática do direito, consolidando-se como costume jurídico internacional, possui, hoje, capacidade vinculatória, uma vez que costumes são fontes de direito internacional legítimas, superando, assim, sua força inicial de recomendação.